São Paulo – Especialistas nas áreas de motor, transmissão, eletrificação, fomento e formação profissional se reuniram no 18º Simpósio SAE BRASIL de Powertrain, organizado pela Seção Regional São Paulo Interior, da SAE BRASIL, este ano em edição totalmente digital.
O encontro destacou a trilha que o powertrain deve seguir no Brasil, qual será a arquitetura e tecnologia predominante no futuro, o impacto das mudanças no dia a dia das operações e como os players podem se preparar para as oportunidades e ganhar vantagens competitivas.
Em dois dias de painéis e debates foram apresentados temas como evolução de sistemas de powertrain em veículos de passeio, agrícolas e comerciais, sustentabilidade ambiental associada aos modelos de remanufatura, aplicação dos pilares da indústria 4.0 e digitalização no desenvolvimento de produto, competências do profissional do futuro e possibilidades de incentivos ao fomento tecnológico.
MOTORES CICLO OTTO - Palestras
Impactos da pandemia - Victor Silva, analista de mercado da IHS Markit,abriu os trabalhos com o tema sobre os principais impactos da pandemia no mercado brasileiro, ao abordar as tendências de tecnologias de motores para os próximos anos e as principais mudanças até o final das novas legislações de emissões Rota 2030 e Proconve.Vitor mostrou a evolução da pandemia, em ritmo de queda, e disse que o mercado automotivo começa a retomar a normalidade, com mais de 200 mil veículos vendidos no Brasil no último mês. Declarou que a consultoria “não acredita em nova parada na produção de veículos nem em uma segunda onda da covid-19”. Silva falou do impacto da covid-19 em relação ao preço médio dos veículos vendidos, que cresceu 20% até o período pré-pandemia e 15% depois da covid-19. Destacou ainda que o forecast para este ano será de uma queda próxima a 30% com 1,915 milhão de unidades vendidas.
Mildhybrid flexfuel - Guilherme Alegre, engenheiro de P&D da Marelli Sistemas Automotivos, falou dos desafios e oportunidades da engenharia nacional em projetos de pesquisa e desenvolvimento da mobilidade elétrica no Brasil. Apresentou case da Marelli sobre o desenvolvimento de plataforma powertrain para veículos mildhybridflexfuel e destacou tendência mundial de emissão de CO2 em queda cada vez maior, por exigências legais. Ele apontou dois caminhos para o atendimento das novas legislações para essa meta: utilização de biocombustíveis e eletrificação veicular, que podem ser trabalhadas em conjunto ou separadamente.
Guilherme justificou a afirmação com o fato de o flexfuel (etanol) ter cravado a marca de 37 milhões de veículos vendidos desde 2013, com tecnologia genuinamente nacional que permitiu a redução de CO2 em 440 milhões de toneladas, segundo estimativa da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única).Entre as motivações para a eletrificação, ressaltou aspectos da severidade da legislação quanto à eficiência energética dos veículos, que requer evoluções tecnológicas dos motores a combustão e torna a eletrificação um complemento interessante para o atingimento da meta, e também ao plano Inova Energia, que injetou R$ 3 bilhões em fomento do setor energético. O plano tem entre seus objetivos apoiar iniciativas para o desenvolvimento da produção de veículos elétricos e híbridos a etanol.
Anéis e pistões para motores flex turbo com injeção direta - André Ferrarese, chefe de Desenvolvimento América do Sul da Mahle Metal Leve, falou sobre a tendência de carregamento dos motores flex turbo com injeção direta em desenvolvimentos europeus e norte americanos, que torna possível a análise de impacto para o ambiente flexfuel do futuro. Trouxe tendências técnicas, como LSPI (Low Speed Pré Ignition), óleos de baixa viscosidade, aumento das taxas de compressão, emissão de particulado e tecnologias necessárias em anéis e pistões para viabilidade em aplicação flexfuel.
O especialista definiu o LSPI como ocorrência importante para a busca de motores com injeção direta mais eficientes, e que deve ser um ponto de atenção nos motores flex do futuro, em especial na paridade com o etanol e no aumento dessa paridade, que requer foco maior na calibração e critério na escolha adequada dos componentes, com privilégio na resistência estrutural.
Sobre as emissões de particulados, em especial no número de particulados com o uso de injeção direta, disse que o tema é cada vez mais importante e tem de fazer parte dos fóruns de definição nos próximos estágios de emissões. Apontou que o ponto positivo é que a maior preferência de etanol mitiga significativamente a formação de particulado. Sobre os anéis, viabilizadores do menor consumo de óleo, o desenvolvimento de um anel high tech é um caminho importante para vedação e raspagem com baixa tensão nas peças.
Apontou os óleos de baixa viscosidade como a chave para alcançar a redução do consumo de combustível, mas ressaltou, no entanto, que o motor flexfuel tende a ter uma abordagem um pouco mais conservadora devido à diluição. Além dessa estratégia, o revestimento do anel também desempenha papel importante para a durabilidade adequada da peça.
Nas taxas de compressões que, a depender da estratégia e de quão diferentes são as condições de operação no motor com etanol e com gasolina, evidenciou a importância do uso de pistões com maior capacidade de extração de calor, além de galerias e arrefecimento do motor.
Impacto zero de emissões em motor de combustão como elemento principal– Erich Policarpo, engenheiro de Desenvolvimento de Motores AVL Gmbh (Áustria), apresentou a visão da empresa sobre como o motor de combustão interna pode continuar competitivo ante os elétricos, com zero impacto de emissões na atmosfera. Policarpo contou que essa investigação começou em 2018, ocasião em que a AVL apresentou em um simpósio em Viena que essa deveria ser a meta a perseguir e resolveu desenvolver dois carros – um a diesel e outro a gasolina -, para comprovar sua tese. A conclusão desse trabalho foi que as emissões podem ser reduzidas de forma substancial tanto para powertrain gasolina quanto para Diesel, favorecendo o cumprimento da legislação Euro 7 sem dificuldades.
“O custo e a efetividade de níveis de emissões extremamente baixos dos veículos de passeio têm de ser muito bem considerados na legislação do futuro”, disse. Segundo Policarpo, a incerteza quanto às medições deve aumentar cada vez mais em importância nas emissões ultra baixas, elevando cada vez mais a necessidade do desenvolvimento de novas metodologias.O engenheiro destacou que a simulação do sistema deescapamento e sua clara definição é essencial para minimizar as emissões, prática que deve ser feita no começo do projeto para evitar custos maiores e aumentar a efetividade dessa solução. “Na AVL acreditamos que o motor de combustão interna vai continuar extremamente competitivo, mesmo quando o ambiente de impacto zero de emissões é considerado”, finalizou.
SISTEMAS DE TRANSMISSÕES
No Painel Evolução em Sistemas de Powertrain& Sustentabilidade, a engenheira mecânica Marina Roche, gerente de projeto de Simulação e Integração de Powertrain na Applus IDIADA (Espanha), apresentou o tema simulação como ferramenta na configuração do powertrain com o case dos micro-ônibus elétricos de Barcelona, cidade de vias estreitas e compartilhadas por veículos e pedestres, em que emissões de CO2, NOx e ruídos são aspectos muito sensíveis. Destacou a forte tendência atual de operações com micro-ônibus elétricos em áreas urbanas a fim demitigar esses efeitos e a falta de elétricos nas frotas com autonomia necessária para viajar 24 horas por dia. Marina mostrou que o desenvolvimento para garantir que os micro-ônibus elétricos de Barcelona cumpram dois turnos completos se baseou em resultados da análise das rotas e na simulação do desempenho com diferentes componentes e arquiteturas de powertrain. Ferramentas de simulação foram utilizadas desde a concepção até a seleção dos componentes, com otimização da frenagem e plano de validação. “O protótipo foi fabricado e validado para uma correlação muito precisa com resultados previstos na simulação”, afirmou.
Renan Perceguetti, gerente de Engenharia de Produto Eaton, falou sobre transmissões para veículos comerciais elétricos, seus benefícios e desafios. Apresentou visão técnica de motivos na escolha da arquitetura do powertrain do futuro. Perceguetti frisou que durante o desenvolvimento de produto, conceito e método, sempre há a curva de crescimento da maturidade da tecnologia. Assim, apresentou conceitos iniciais na concepção do veículo elétrico, e destacou raciocínio sobre os motivos em se escalonar marchas em um veículo elétrico, quais as vantagens e aplicações. “Transmissões fazem sentido no veículo elétrico sim e contribuem para o melhor aproveitamento no uso do motor e bateria”, frisou.
Ciro Yoshiyasse, projetista sênior de produtos da Bosch, e Ricardo Prado, engenheiro de Produto da Eaton, com 10 anos de experiência em embreagens do segmento de veículos comerciais, discorreram sobre remanufatura, e demonstraram impacto ambiental positivo desse modelo de negócio, que detém fatia importante do mercado nacional de embreagens para veículos comerciais. De acordo com ambos, a remanufatura promove benefícios da recuperação de peças que seriam descartadas e em vez disso são reprocessadas e reintroduzidas no mercado, com qualidade e garantia, além da vantagem de eliminar impactos ambientais inerentes à extração da matéria-prima da natureza e ao próprio processamento de peças novas.
No Painel Indústria 4.0 no Desenvolvimento de Produto, André Scarance, gerente global de Projetos de Industria 4.0 da Eaton; e Alexandre Georgetti, diretor de Estratégia Manufatura e Indústria 4.0 para o Grupo Veículos em nível global da Eaton VG (Michigan, USA), trouxeram a experiência da empresa na redução do tempo e custos de desenvolvimento de produto por meio da tecnologia 4.0. Os especialistas deram destaque especial à manufatura aditiva e à realidade aumentada, que, segundo eles, têm permitido manter prazos reduzidos de desenvolvimento conforme demanda dos clientes, mesmo ante os desafios da pandemia global.
Leandro Garbin, gerente do Portfólio Simcenter (Testes & Simulações) da Siemens Digital Software, falou sobre Digital Twins e integração de ferramentas de engenharia. Ilustrou de forma didática o conceito da ferramenta, apresentou aplicações em powertrain com utilização cloud computing, IoT e Big Data, além de cases de durabilidade (fadiga) e NVH (acústica).
Desenvolvimento virtual de conceitos para powertrain do futuro foi o tema da engenheira Estela Mari Bueno, pesquisadora de Simulação Numérica da Mahle Metal Leve, para quem a virtualização dos desenvolvimentos em engenharia ganha relevância com a evolução da boa correlação entre modelos numéricos e protótipos físicos. Estela apresentou modelo virtual de desenvolvimento de sistema de powertrain e ressaltou vantagens de custo e tempo reduzidos para obtenção de resultados por meio de modelos computacionais, que permitem o estudo de inúmeras variáveis e condições de aplicação. “Os modelos virtuais conquistaram o protagonismo nos desenvolvimentos de engenharia”, frisou. Estela Mari apontou o powertrain híbrido com motor a combustão a etanol como alternativa relevante para redução de emissões de CO2.
POWERTRAIN
No bloco Desenvolvimento Humano,Painel Formando o Engenheiro para Futuro, o professor Marko Ackermann, coordenador de curso e chefe do Departamento de Engenharia Mecânica da FEI, abordou as transformações tecnológicas, econômicas e sociais atreladas à revolução digital, o novo perfil do engenheiro e as novas diretrizes curriculares nacionais para as engenharias em 2019. Mostrou como os novos projetos pedagógicos da FEI foram redesenhados para a valorização de competências técnicas e comportamentais, em um contexto de domínio do processo inovador e com alinhamento a uma agenda de futuro pautada pelas grandes tendências das próximas décadas.“O que se demanda de um engenheiro hoje vai muito além da formação sólida nos conceitos fundamentais, que continua a ser importante na formação, mas a responsabilidade das instituições de ensino superior vai muito além disso”, afirmou.
Renata CastilloQuattrer e Simone Villa Gois, respectivamente analista e gerente de Recursos Humanos da Bosch para a América Latina, mostraram como a empresa construiu o programa de imersão de aprendizado com foco nas habilidades mais relevantes para atuação no mercado de Electric Mobility. Estruturado com metodologia hands-on, o programa alia teoria e prática à formação de colaboradores para que seja mais rápida em relação ao ensino tradicional.
Simone apresentou o projeto Bosch Learning Company, iniciativa da empresa de se transformar em uma organização de aprendizagem para conectar suas partes e se integrar à estrutura da mobilidade. “É importante que as organizações tenham o aprendizado como chave da transformação”, afirmou. O projeto foi organizado em três pilares: qualificação sobre os temas transformação digital, software e eletromobilidade, cruciais para a empresa. Renata precisava aplicar treinamento com aprendizado profundo, que passasse por quatro competências (e-mobility, tecnologia de bateria, electric machines e power electronics), para promover a mudança de mentalidade necessária aos colaboradores, em sua maioria engenheiros mecânicos, a fim de trabalharem com veículos elétricos e híbridos. O eixo principal para essa conquista foi o Bootcamp, conceito que nasceu nos campos militares para treinamento de soldados para guerra e que passou a ser aplicado na educação para aprendizagem intensiva e acelerada.
Mauro Andreassa, professor no Instituto Mauá de Tecnologia, fundador da consultoria Big Learning, e mentor de Educação da Mobilidade da SAE BRASIL, discorreu sobre VUCA - ambientes voláteis incertos, complexos e ambíguos -, termo que surgiu no exército americano. O especialista comparou o VUCA à covid-19 e expôs a falta de preparo da sociedade para viver nesse ambiente. Andreassa ressaltou como males da engenharia e da mobilidade os custos elevados da engenharia, a perda de cérebros e da autonomia para o desenvolvimento de produto, o pouco valor às ferramentas preventivas e aos anos de experiência profissional, a disseminação do conceito de engenheiro de aplicação, e o excessivo uso de simulações e protótipos. E sentenciou: “Vamos ter de caminhar muito do analógico para o digital”.
Mauro destacou as habilidades mais importantes no cenário atual, como resolver problemas complexos, pensamento crítico, criatividade, gerenciar e coordenar com outras pessoas, inteligência emocional, julgamento e tomada de decisão, orientação para serviços, negociação, e flexibilidade cognitiva e comparou às consideradas indispensáveis em 2015, quando a criatividade ocupava a 10ª posição na escala das 10 habilidades requeridas. “Não fomos preparados para esse mundo e agora temos que assumir esse protagonismo”, assinalou.
Para o especialista, na visão de futuro para 2022 o que emerge é a análise de dados, que aparece no topo da lista de habilidades, seguida pela inteligência artificial, transformação digital e software. “Nesse bloco aparecem tecnologias e termos que nunca estudamos”, disse, e finalizou com o novo tripé da competência – conhecimento (conscientização, saber o porque das coisas), habilidade (fazer coisas) e atitude (praticar).
No bloco Pesquisa e Desenvolvimento, Painel Casos de Pesquisa & Desenvolvimento do Powertrain no Brasil, Janayna Bhering, gerente de Negócios e Parcerias da Fundep, trouxe o tema Rota 2030 como oportunidade de fomento a projetos de inovação para o setor automotivo. Discorreu sobre a Fundep e os programas de apoio ao desenvolvimento de produtos de Powertrain, e explicou como acessar benefícios governamentais de fomento relacionados ao Rota 2030.
Leandro Mandu, gerente de Inovação e Propriedade Intelectual da Bosch, apresentou programas de fomento para inovação no Brasil e sua aplicação nas unidades de negócios de Powertrain Solutions na empresa. Citou exemplos de cases, como o e-cluth, na área de inovação de produto, sobre o desenvolvimento de embreagem eletrônica; o Industry 4.0, na área de inovação de processo, sobre o sistema de controle inteligente em laboratórios; e o Dremel, na área de inovação em negócio, sobre venda direta, para desenvolver competências diversas. Destacou o Inova Talentos, no qual a Bosch surge como a empresa que mais utiliza o programa no Brasil, que teve 170 bolsistas, boa parte contratada por competências que a organização não possui, e que trabalharam em 210 bolsas aprovadas e mais de 125 projetos fomentados.
José Luis Gordon, diretor de Planejamento e Gestão Embrapii, destacou o modelo Embrapii de apoio ao setor automotivo e aos projetos de inovação com os ICTs, num modelo de co-investimento com os projetos de interesse das empresas. “Coordenadora de P&D de mobilidade e logística do Rota 2030, a Embrapii é transversal, atende a qualquer área do setor automotivo”, destacou. Segundo Gordon, os projetos são negociados e aprovados diretamente com a unidade Embrapii, sem burocracia. “Os projetos cooperativos da Embrapii dão acesso a novos conhecimentos, fortalecem novas parcerias, reduzem o risco e o custo, estabelecem conexão com a cadeia e oferecem ganhos de competitividade”, ressaltou.
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